Soberania em Cena: A Política como Teatro

Tem dias em que a gente acorda, abre o portal de notícias e sente um nó no estômago. Um soco. A notícia da carta de Trump, com a frieza de uma planilha e a brutalidade de uma ameaça de bar, é um desses momentos. A sensação imediata é de raiva, de uma profunda indignação. Como ousam? Como ousa um líder estrangeiro tratar nosso país, nossa casa, como um quintal onde ele pode ditar as regras, punir e perdoar ao sabor de suas alianças e de seu humor?

Essa sensação de violação tem nome. Há séculos, pensadores como o francês Jean Bodin, nos ensinaram que um país tem o direito de cuidar da sua própria casa, de ter suas próprias leis, sua própria justiça. Chamamos isso de soberania. Mas mais do que um conceito político, a soberania é a alma de uma nação. É a dignidade coletiva que nos permite andar de cabeça erguida. O que Trump fez, ao exigir o fim de uma investigação em troca da nossa estabilidade econômica, foi exatamente isso, um pisão calculado na nossa alma.

Mas eu peço que você respire fundo comigo. Vamos atravessar essa primeira camada de fumaça, a da raiva justa e necessária. E se, por trás de toda essa brutalidade, existisse um roteiro? E se essa agressão desmedida não for o fim da história, mas apenas o primeiro ato de uma peça muito bem ensaiada?

É aqui que a filosofia nos oferece uma lanterna. Maquiavel, um nome tantas vezes mal interpretado, nos alertou que na arena do poder, as coisas raramente são o que parecem. O bom governante, para ele, é aquele que sabe usar a força, mas também a astúcia; que sabe parecer um leão e agir como uma raposa.

Para entendermos melhor esse roteiro, vale olhar com mais atenção para o protagonista estrangeiro dessa peça. Donald Trump não governa no silêncio das instituições, mas no estrondo das manchetes. Seu estilo é um híbrido de empresário do entretenimento e mestre da chantagem. Ele lança ameaças como quem joga dados, eleva o tom até o limite do absurdo, cria a tempestade — e depois recua, parcialmente, como se estivesse nos fazendo um favor. A política vira barganha, e a barganha vira espetáculo. Trump não busca apenas resultados concretos; ele busca dominar a narrativa, ser visto como o homem forte que pode tudo, inclusive perdoar. É uma versão moderna da “doutrina do caos”, onde o medo é produzido para que o alívio possa ser vendido como virtude. Como diria Maquiavel, é melhor ser temido do que amado, mas Trump faz questão de encenar os dois papéis. E é aí que o teatro se torna perigoso: quando a encenação se mistura à realidade, e as consequências recaem sobre países inteiros, como o nosso.

Além da ameaça tarifária, Trump tem criticado o Brasil por supostos atos de censura contra fintechs e plataformas de tecnologia, numa referência clara à suspensão temporária do X (antigo Twitter), determinada pelo STF após repetidas violações legais por parte da plataforma de Elon Musk, seu aliado. Agora, ele combina essa acusação com a narrativa de que o governo Lula promove uma “caça às bruxas” contra Bolsonaro, para justificar tarifas de até 50% sobre produtos brasileiros. Ou seja, mistura o caso do bloqueio judicial a uma plataforma com a perseguição pessoal de seu aliado, e lança a conta no colo do atual governo. Mais do que controle econômico, é uma tentativa de interferência política disfarçada de retaliação comercial.

Do ponto de vista filosófico, esse padrão segue a mesma lógica maquiavélica e teatral: criar crise, apontar culpados, vencer no palco internacional. O truque não é econômico, é narrativo. É transformar o Brasil num palco em que se misturam vingança pessoal, espetáculo midiático e chantagem jurídica.

Agora, olhemos para a cena que se desenha. Primeiro, a ameaça brutal de Trump. O caos se instala. A culpa recai, previsivelmente, sobre a notória amizade do clã Bolsonaro com o ex-presidente americano. O palco está em chamas. Então, no meio do incêndio, quem surge para apagar o fogo? O próprio Jair Bolsonaro, o pivô da crise. Ele aparece na mídia, não como culpado, mas como o único capaz de “acalmar a fera”. Ele se posiciona como o negociador, o estadista, aquele que tem a coragem de pedir ao “amigo” que poupe o Brasil.

Você consegue ver o teatro? É uma jogada de mestre em sua crueldade. Cria-se a doença para depois vender a cura. E o mais trágico é que, no final, quando Trump inevitavelmente recuar de sua ameaça, a manchete não será sobre a interferência absurda que ele cometeu. A manchete, a imagem que ficará gravada na retina de muitos, será a de Bolsonaro como o salvador. O herói que nos livrou de um mal que ele mesmo ajudou a criar.

Isso nos leva a um lugar ainda mais profundo e desconfortável. Um filósofo do século XX, Guy Debord, previu o mundo em que vivemos hoje. Ele o chamou de “A Sociedade do Espetáculo”. Para Debord, a realidade foi sequestrada pela sua imagem. O que importa não é mais o fato, mas a narrativa que se constrói sobre ele. A política vira um grande show, um reality show permanente.

A tarifa, o desemprego, o sofrimento real que uma crise dessas causaria? Meros detalhes, coadjuvantes na grande peça. O produto principal é o espetáculo da redenção de um líder político. É uma guerra de narrativas travada no Instagram, no TikTok, no jornal da noite. E nós? Nós somos a plateia, oscilando entre a raiva, o medo e, perigosamente, o alívio quando o “herói” resolve o problema que ele mesmo encenou.

O que fazer, então? Desistir? Mergulhar no cinismo e acreditar que tudo é manipulação? Não. A filosofia não serve para nos dar desespero, mas clareza. A clareza de que nossa primeira reação, aquela indignação na boca do estômago, estava certa. A clareza de que nossa soberania, nossa alma coletiva, não pode ser usada como um peão nesse tabuleiro doentio.

O maior perigo não é a tarifa de Trump. É a nossa apatia. É nos acostumarmos com o teatro a ponto de esquecermos como é a vida real. É aceitarmos o papel de meros espectadores.

Nossa tarefa, como cidadãos e como seres humanos, é nos recusarmos a aplaudir. É vaiar o teatro quando ele ofende nossa inteligência. É acender as luzes da consciência crítica e começar a conversar sobre o roteiro que se desenrola por trás das câmeras. É reivindicar o nosso lugar de protagonistas da nossa própria história.

Uma história real, com uma soberania que não se vende e uma dignidade que não se negocia.

Estado e Soberania: Perspectivas no Direito Internacional Contemporâneo

O Estado é o principal sujeito do Direito Internacional Público. Membro originário e principal da sociedade internacional, através de sua soberania, garante a liberdade de seus cidadãos. A soberania é o principal atributo do Estado, sendo a prova externa maior da relação de coordenação que existe na sociedade internacional. Não há Estado que não seja soberano. O indivíduo como “ser” somente encontra a liberdade dentro do Estado, expressão maior da vida cívica, politicamente organizada. A liberdade individual implica no reconhecimento da liberdade do outro, e esta dialética somente pode ser encontrada no Estado racional, que é aquele que garante os direitos fundamentais da pessoa humana, na concepção contemporânea. Esta obra é uma síntese destes conceitos, Estado, Soberania, Sociedade Internacional e Liberdade, e, com a interação política dos mesmos, caminha para atingir a paz perpétua, no dizer kantiano.

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