Paulo Freire

Paulo Freire e a Pedagogia da Esperança: uma homenagem ao mestre dos mestres no Dia dos Professores

No lusco-fusco de uma sala de aula, onde o giz dança sobre o quadro-negro e as vozes se entrelaçam em um balé de perguntas e descobertas, reside um universo de possibilidades. É nesse espaço sagrado, por vezes esquecido em sua potência, que a semente da transformação germina. Ali, no encontro entre o mestre e o aprendiz, o mundo pode ser reinventado. E em cada gesto de partilha, em cada olhar que se ilumina com a compreensão, ecoa a memória de um homem que ousou sonhar com uma educação tecida em liberdade e diálogo: Paulo Freire. Neste Dia dos Professores, mais do que celebrar uma data, somos convidados a revisitar o legado atemporal daquele que nos ensinou a “esperançar”.

Nascido em Recife, Pernambuco, em 19 de setembro de 1921, Paulo Reglus Neves Freire trazia em si a marca da terra nordestina, sua força e suas contradições. Cresceu em um contexto de dificuldades econômicas, especialmente após a crise de 1929, o que o aproximou desde cedo da realidade dos “esfarrapados do mundo”. Formou-se em Direito, mas foi no chão da escola, lecionando língua portuguesa, que encontrou sua verdadeira vocação. Freire não via a educação como um ato neutro, um mero depósito de informações, mas como um ato político e de conhecimento. Para ele, ensinar era um verbo que se conjugava com a vida, com a realidade concreta dos sujeitos.

Sua trajetória foi marcada por um profundo compromisso com a alfabetização de jovens e adultos, um trabalho que o levou a desenvolver um método inovador e revolucionário. Em Angicos, no Rio Grande do Norte, em 1963, Freire e sua equipe alfabetizaram 300 trabalhadores rurais em apenas 45 dias. O segredo de tal proeza não residia em uma fórmula mágica, mas em uma escuta sensível e em um respeito profundo pela cultura e pelo universo vocabular dos educandos. As palavras “tijolo”, “voto”, “trabalho” não eram apenas signos a serem decodificados, mas “palavras geradoras” que descortinavam o mundo, despertando a consciência crítica sobre a própria condição.

Essa “pedagogia da pergunta”, em oposição a uma “pedagogia da resposta”, incomodou as estruturas de poder da época. A educação proposta por Freire era perigosa porque libertava. Com o Golpe Militar de 1964, sua metodologia foi considerada subversiva, e Freire foi preso e, em seguida, exilado. Foram 16 anos longe de sua terra natal, um período de dor e saudade, mas também de intensa produção intelectual e de disseminação de suas ideias pelo mundo. No Chile, escreveu sua obra mais emblemática, “Pedagogia do Oprimido”, um livro que se tornaria referência para educadores e movimentos sociais em todo o planeta.

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A Arquitetura de um Pensamento Libertador

A obra de Paulo Freire é um convite à desconstrução de um modelo educacional que ele denominou “educação bancária”. Nessa concepção, o professor é o detentor do saber, que “deposita” o conhecimento em alunos passivos e dóceis. Freire contrapõe a essa visão uma educação dialógica e problematizadora, na qual educador e educando aprendem juntos, em um movimento de reflexão e ação sobre o mundo para transformá-lo – a práxis.

Em “Pedagogia do Oprimido”, Freire desnuda as relações de opressão e defende que a superação dessa condição só é possível a partir da conscientização. Não se trata de uma tomada de consciência ingênua, mas de uma inserção crítica na história, assumindo-se como sujeito de sua própria jornada. A educação, nesse sentido, é um ato de amor e de coragem, uma prática da liberdade que busca a humanização de homens e mulheres.

Seus escritos são um manancial de conceitos que nos inspiram a repensar a prática pedagógica. A importância do diálogo, da escuta, da autonomia, do respeito aos saberes dos educandos são pilares de seu pensamento. Freire nos lembra que “ninguém educa ninguém, ninguém educa a si mesmo, os homens se educam entre si, mediatizados pelo mundo”. Essa frase, de uma simplicidade desconcertante, encerra a complexidade de uma visão de educação que é, antes de tudo, um encontro.

A Pedagogia da Esperança em Tempos de Incerteza

Após o exílio, Paulo Freire retornou ao Brasil em 1980, trazendo na bagagem a experiência de quem dialogou com diferentes culturas e realidades. Em 1992, publica “Pedagogia da Esperança: um reencontro com a Pedagogia do Oprimido”. Nesta obra, ele revisita seus escritos, reafirmando suas convicções e dialogando com as críticas, sem jamais perder a ternura e a esperança.

A esperança em Freire não é um otimismo ingênuo, uma espera passiva. É o “esperançar”, um verbo de ação, que nos impulsiona a lutar por um mundo mais justo e humano, mesmo diante das adversidades. É a convicção de que, embora a realidade seja dura, ela não é inexorável, e que a transformação é possível.

Hoje, em um mundo atravessado por crises e incertezas, o legado de Paulo Freire se faz mais urgente do que nunca. Suas palavras nos conclamam a resistir ao fatalismo e a construir práticas educativas que promovam a criticidade, a solidariedade e o respeito à diversidade. Ser freireano em 2025 é acreditar no poder transformador da educação, é lutar por uma escola pública, gratuita e de qualidade para todos, é defender a gestão democrática e a valorização dos profissionais da educação.

Ser freireano é, sobretudo, ser um artesão da esperança. É ter a coragem de, como nos ensinou o mestre, “ler o mundo” para poder reescrevê-lo. É entender que cada sala de aula é um território de disputa de narrativas, mas também um canteiro de futuros possíveis.

Síntese Reflexiva: a Chama que Permanece

Ao celebrar o Dia dos Professores, honramos a memória de Paulo Freire e de tantos outros mestres que, em cada canto deste país, dedicam suas vidas à arte de ensinar e aprender. Eles são a prova viva de que a pedagogia freireana não é uma utopia distante, mas uma prática que se reinventa a cada dia, nos gestos de acolhimento, no estímulo à curiosidade, na construção de pontes através do diálogo.

O legado de Paulo Freire não está aprisionado nas páginas de seus livros, mas pulsa no coração de cada educador que se recusa a ser um mero transmissor de conteúdo e se assume como um mobilizador de sonhos. Em um tempo que nos tenta a desistir, a obra do Patrono da Educação Brasileira é um farol que nos guia. Ela nos recorda que educar é um ato de resistência, um ato de amor e, acima de tudo, um ato de esperança.

Que herança de Paulo Freire ressoa em sua prática e em sua visão de mundo, e como podemos, juntos, continuar a “esperançar” por uma educação que liberte e transforme?

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